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Preso por mais de um ano, delegado se revolta com negativa de Habeas Corpus

06 novembro 2020 - 10h42Redação Capital do Pantanal

Fernando Araújo da Cruz Junior, delegado da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, preso desde abril do ano passado, acusado de matar narcotraficante boliviano, decidiu se pronunciar sobre a negativa de seu habeas corpus no final do mês de outubro. Por meio de sua advogada Elianici Gonçalves Gama (OABMS 12304), quem de acordo com o documento de 11 páginas, quem escreveu em seu nome, ele criticou a condução do caso e de sua prisão.

Sem citar nomes, o documento aponta que a reclussão de Fernando é uma perseguição, diz estar diante de um “magistrado deliberadamente cedo” e acusa delegados de terem criado um “monstro” durante a investigação.

Os trechos utilizam palavras fortes e criticam duramente a conduta da prisão do servidor estadual, que mantém sua posição afirmando inocência na morte de Alfredo Rengel Weber, narcotraficante da Bolívia conhecido como “Ganso”.

Capital do Pantanal teve acesso a íntegra do pedido de Habeas Corpus e destaca os trechos mais polêmicos. Veja:

“Depreende-se que o paciente deveria produzir algo capaz de modificar o status da segregação, mas o que espera o magistrado? Que o verdadeiro autor do crime bata às portas da polícia e se apresente? Ainda que o faça, dirá ele que é questão de mérito e, por não ser o juiz natural da causa, deverá ser submetido ao conselho de sentença de toda forma.

Importante relembrar que o fundamento da ordem pública se baseia no fato de o paciente ser “agente estatal” e o da aplicação da lei penal por ele ser casado com uma boliviana, cujo pai é prefeito em um povoado com menos de cinco mil habitantes. Pois bem, o que seria então necessário para que um delegado de polícia, acusado de matar um narcotraficante investigado por ele e que o ameaçou de morte, além de sua esposa e um bebê de apenas um ano de idade, tenha direitos básicos garantidos?

  1. Divorciar-se de sua esposa?
  2. Que seu sogro renuncie ao cargo de prefeito?
  3. Que o paciente peça exoneração do cargo?

Ora, ainda que fosse ele o autor do crime (o que não é!), onde está o perigo de sua liberdade? As decisões fazem tão somente menção aos fundamentos da prisão ou nada falam:

“Por sua vez, o periculum libertatis reside na garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal.” (fl. 2714)

"Em suma, no caso tenho que ainda se mostram presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis, suficientes para manutenção no cárcere" (fl. 3195)

E existe um motivo para isso: NÃO HÁ PERIGO ALGUM!!! O que acontece é que estamos diante de um magistrado deliberadamente cego, exatamente daquele tipo que motivou a criação do “juiz de garantias”, pois encerrou-se em uma infeliz convicção de que o paciente praticou o crime, levado a essa falsa ideia por delegados que ao longo da investigação (como é praxe) criaram um “monstro” para conseguir medidas cautelares em desfavor dele e agora impossível aceitar a ideia de que possa ter cometido um erro ou se deixado enganar. Este fenômeno não é incomum, chama-se autoengano e ignorância autoimposta, estudadas na teoria da dissonância cognitiva. Nas palavras do magnificente Juiz Carlos Alberto Garcete:

“Shünemann traz à tona a Teoria da Dissonância Cognitiva de Festinger, na versão reformulada de Irle. De acordo com a referida teoria, cada pessoa ambiciona obter harmonia em seu sistema cognitivo, a assegurar-lhe relações estáveis entre seus conhecimentos e suas opiniões. Quando opiniões antagônicas lhe são contrastadas, o resultado dessa motivação cognitiva é a redução mental de fatores dissonantes com a preponderância de fatores de consonância.

(...)

A pesquisa realizada na Alemanha, foi possível extrair o seguinte padrão comportamental do juiz criminal: todos que tiveram contato maior com a investigação preliminar e, depois, atuação mais ativa na instrução criminal, acabaram por condenar, enquanto que aqueles que não foram equipados com as peças de informações preliminares tiveram maior nível de ambivalência, ou seja, houve equilíbrio entre o número de condenações e de absolviçõesHá, no mínimo, uma tendência, um envergamento, a apegar-se àquela opinião pré-concebida da investigação preliminar que tentará corroborá-la ao longo do processo. Para Shünemann, o juiz tenta superestimar as informações consoantes e subestimar as informações dissonantes.” (https://www.conjur.com.br/2019-dez-17/carlos-garcete-criacao-juiz-garantias-nao-aumenta-despesas)

Não há prova que seja capaz de convencer um juiz, que mantém alguém preso há mais de um ano e meio, de que cometeu um erro, é natural da própria psique humana nega-lo e estribar-se nos elementos que coadunam com a sua tese inicial, por mais ínfimos que sejam”.

Fernando alega que não há necessidade de mantê-lo encarcerado e sugere prisão domiciliar com uso de tornozeleira para ficar perto da família. Foto: cedida ao Capital do Pantanal

Já nas considerações finais, o delegado sobe o tom ainda mais em crítica a conduta do magistrado ao caso. Veja:

“O presente documento foi redigido nesse tom a pedido do paciente, que está ciente das consequências, mas cansou de se calar diante de tantas violências e humilhações praticadas contra ele e sua família. Realmente nunca se esforçou em ser simpático ou se perturbou em colecionar grande número de inimigos, porém jamais abriu mão de lutar por uma sociedade na qual sempre acreditou, igual e fraterna, sem muros ou fronteiras, em que cargos sejam nada mais que uma atividade profissional, e não instrumento de poder. Sem embargo, se todas estas palavras continuarem sendo ignoradas, e com certeza serão, que sirvam no futuro como registro do sofrimento infligido a um idealista que optou por enfrentar ousadamente esse sistema degenerado, e não se aliar a ele.

Não consegue o paciente entender como pessoas perversas, que provocaram sua prisão por um crime que não cometeu (por Deus, basta ler o processo com atenção!), conseguem abraçar seus filhos e beijar suas esposas e maridos, sabendo que estão destruindo outra família. Não para de repetir: “no final, acabou não sendo o criminoso quem me tirou o que eu tinha de mais precioso (meu filho e minha esposa), mas o próprio estado, a quem dediquei a minha vida”. Necessário uma autorreflexão: qual a missão do poder Judiciário e quem deve ser protegido? No presente caso, a única beneficiada até aqui foi a organização criminosa que antes era liderada por Alfredo Rengel Weber, conhecido no meio criminoso por “Ganso”.”

   

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