O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul divulgou, com entusiasmo, o índice de 75% de acordos firmados nas audiências pré-processuais realizadas no primeiro semestre de 2025. À primeira vista, a marca parece expressar eficiência. Mas, com um olhar mais atento, o que se revela é a consolidação de uma prática que fragiliza a advocacia e compromete os alicerces do sistema de justiça.
Essas audiências, frequentemente realizadas sem a presença obrigatória de advogados, revelam uma distorção perigosa: A substituição da garantia constitucional da assistência jurídica por um modelo apressado de conciliação. A pressa tem seu custo, e o custo, aqui, é o direito de compreender o conflito e tomar decisões informadas. Afinal, que tipo de acordo é celebrado quando uma das partes sequer compreende aquilo a que está renunciando?
A erosão da técnica em nome da pressa
Sob o pretexto da autocomposição, o Judiciário tem empurrado a solução dos litígios para um campo de informalidade e improviso. O cidadão comparece desacompanhado de orientação jurídica, diante de situações que, muitas vezes, exigem interpretação técnica e avaliação de consequências legais.
O que se vê, então, não é um avanço, mas uma armadilha institucional: Acordos celebrados sob desigualdade de entendimento, apresentados como indicadores de sucesso, quando na verdade escondem a ausência de garantias mínimas de justiça.
E onde está o advogado nesse cenário?
Excluído do espaço que lhe foi constitucionalmente assegurado. O profissional do direito, ao invés de ser reconhecido como elo essencial na administração da justiça, é marginalizado no processo decisório e, por vezes, tratado como um obstáculo à velocidade.
A desvalorização estrutural da profissão
A realidade da advocacia brasileira, especialmente fora dos grandes centros, é marcada por desafios concretos. Alta carga tributária, anuidades elevadas, escassez de políticas de apoio à jovem advocacia e ausência de garantias mínimas de bem-estar profissional. Soma-se a isso o esvaziamento simbólico do papel do advogado, inclusive por decisões institucionais que o afastam da origem do conflito.
A pergunta que ecoa
O que pretende, afinal, o Poder Judiciário ao fragilizar, por dentro, a função do advogado? Torná-lo um acessório? Um artigo de luxo? Ignorar a formação, o exame, a responsabilidade ética, o compromisso com o Estado Democrático de Direito?
A Constituição Federal responde com clareza. O artigo 133 afirma, de forma categórica: “O advogado é indispensável à administração da justiça.” Não se trata de recomendação. Trata-se de fundamento.
O risco de uma justiça sem mediação técnica
O modelo de audiências sem assessoramento jurídico não representa progresso. Representa risco. Quando a técnica é substituída pela informalidade, o Judiciário deixa de ser guardião de direitos para se tornar apenas um mediador de interesses imediatos.
E o faz sob silêncio preocupante das instituições que deveriam zelar pela integridade da advocacia.
Não se constrói justiça amputando garantias
A advocacia não é adorno. Não é acessório do processo. É presença obrigatória onde há complexidade, vulnerabilidade e disputa de direitos. O papel do advogado não pode ser reduzido a uma formalidade dispensável sem que se comprometa o próprio conceito de justiça.
Toda vez que um cidadão assina um acordo sem orientação técnica, o que se valida ali não é pacificação, mas potencial injustiça.
E é por isso que a advocacia não silenciará.
Porque onde não há advogado, o que resta não é justiça. É um simulacro dela. É pressa travestida de solução. É desequilíbrio institucionalizado.
E a advocacia não pactua com injustiça disfarçada de eficiência.
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