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Primeira mulher formada no curso de Operações no Pantanal é do Rio de Janeiro

Júlia venceu 47 dias de treinamento exaustivo na maior planície alagável do planeta

22 DEZ 2025 • POR Gesiane S. Lourenço • 10h59
Antes de iniciar o treinamento, num ato de coragem e estratégia, Júlia raspou a cabeça. - Foto: Marinha do Brasil

O ano de 2025 encerra com um marco histórico na Marinha do Brasil. Em 36 anos de existência, pela primeira vez, uma mulher se formou no Curso Expedito de Operações no Pantanal, popularmente conhecido como "Jacarezinho". A Fuzileiro Naval Júlia Maria, natural do Rio de Janeiro, criada na Ilha do Governador, foi a responsável pelo feito histórico. Durante 47 dias, ela enfrentou calor extremo, chuvas torrenciais, a ameaça de animais peçonhentos e o desgaste físico brutal da maior planície alagável do planeta. 

Para Júlia, uma das etapas mais duras foi a marcha de 12 km. “Foi um dia muito quente e abafado. Como sou mais baixa, precisei me esforçar o dobro para acompanhar o ritmo dos outros militares, carregando mochila e fuzil”, relembra. Mas a força mental falou mais alto. “Se os instrutores não me desligassem por insuficiência técnica ou saúde, eu não sairia. Para mim, desistir não era uma opção. O objetivo era voltar para casa com o brevê”, afirma.

A resiliência de Júlia foi forjada muito antes do Pantanal. Ela cresceu em uma “casa cheia”, ao lado de três irmãos e tios, teve como base de sua formação seus avós: ela, professora da rede pública; ele, sargento do Exército. 

Desde criança, assistia aos filmes americanos, via os Fuzileiros Navais e pensava que um dia gostaria de ser como eles”, conta. A disciplina também veio do esporte: na escola, Júlia praticava taekwondo com um mestre que era bombeiro militar, figura que reforçou sua vocação. “As figuras que eu tinha como exemplo eram, em sua maioria, militares. Eu me via nelas”, relembra.

Na vida adulta, enquanto trabalhava em uma rede de fast food, conciliando o emprego com os estudos, o sonho da farda parecia distante. Quando a oportunidade surgiu, o tempo era curto: ela estava no último ano de idade limite para prestar o concurso. “Eu sabia que aquela era a minha única chance”, diz. Aprovada, ingressou na Marinha em agosto de 2024, na segunda turma feminina de Soldados. Atualmente, a militar serve no 2º Batalhão de Infantaria de Fuzileiros Navais (2ºBtlInfFuzNav), conhecido como Batalhão “Humaitá”.

Júlia enfrentou 47 dias de treinamento exautivo no Pantanal. Foto: Marinha do Brasil

Coragem para mudar

A decisão de encarar o ambiente hostil do Pantanal gerou desconfiança em alguns. “Quando dizia que faria o curso, me chamavam de louca, perguntavam por que eu não tentava algo mais fácil”, relata. Mas ela também encontrou apoio. Um instrutor e veterano do curso, o Terceiro-Sargento (Fuzileiro Naval) Wayonan, a presenteou com um brevê antes da viagem para dar sorte.

Ao chegar a Ladário (MS), Júlia tomou outra decisão simbólica: raspou a cabeça. Não por obrigação, mas por estratégia e segurança nas operações. O cabelo será doado a uma instituição de caridade, num gesto que mistura desprendimento e solidariedade.

Durante o curso, a militar aprendeu a usar o ambiente a seu favor, adaptando-se às exigências do terreno alagado e imprevisível. Dos 49 alunos que iniciaram o treinamento, apenas 23 chegaram ao final — e Júlia estava entre eles.

Agora, ostentando o gorro marrom e o distintivo com a tríade Jacaré-Âncora-Louros, Júlia integra o seleto grupo de 909 combatentes ribeirinhos formados pela Marinha. A maior recompensa, porém, veio pelo telefone. “Liguei para minha avó quando acabou e ela atendeu chorando, dizendo que eu era o grande orgulho da vida dela. Disse que meu avô, se estivesse aqui, estaria muito feliz. Tudo o que passei valeu a pena por isso.”

A nova combatente ribeirinha espera que sua história sirva de combustível para outras mulheres. “Às vezes a gente duvida da nossa força. Mas quando vim para cá, vim decidida. Mesmo que não consigam de primeira, não desistam. Com foco e persistência, a vitória chega.”

O curso foi realizado de novembro a dezembro em regiões de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul. A maior parte das atividades concentrou-se na Área de Adestramento do Rabicho (AAR), a maior área de adestramento e instrução para atividades de Operações Ribeirinhas da Marinha, com 205 km² estendidos ao longo de 44 km da margem direita do Rio Paraguai. No local, os alunos passaram por instruções de natação utilitária, sobrevivência, orientação e navegação (fluvial e terrestre), além de operações com embarcações, aeronaves e tiro de combate.

Ao final, os concluintes passam a ostentar o gorro marrom, que simboliza as águas do Rio Paraguai, e o distintivo com a tríade Jacaré-Âncora-Louros. Os itens representam a força do combatente pantaneiro, o compromisso com a Marinha e a superação das adversidades enfrentadas durante o curso. *Com informações da Agência Marinha de Notícias

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