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Brigadistas enfrentam rotina de risco com remuneração de salário mínimo

20 AGO 2020 • POR Texto de Camilla Veras Mota do BBC New com adaptações de Gesiane Sousa • 09h51
Muitas vezes, Brigadistas optam por combater o fogo no perigo da noite. - Divulgação Prevfogo

O fogo que já dura um mês no pantanal de Corumbá revela a rotina perigosa, desgastante e intensa dos Brigadistas. Os super-heróis do fogo, que arriscam a própria vida diariamente para salvar o bioma pantaneiro tem uma remuneração salarial nada promissora e um contrato temporário.

Segundo levantamento do BBC News, em matéria especial no site G1-MS, sobre a rotina dos Brigadistas, a remuneração para a grande maioria é de um salário mínimo, R$ 1.045. Chefes de esquadrão recebem um pouco mais.

O entrevistado, Washington Rojas, natural de Corumbá, assim como a grande parte dos brasileiros trabalha "com o que aparece". Em 2019, foi uma empresa de refrigeração. Depois, uma companhia de encanamento. Isso de janeiro a junho. Nos últimos 6 anos, quando chega o mês de julho ele "vira a chave". Rojas é um dos 90 brigadistas do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) no Mato Grosso do Sul. Rojas convive por meses com uma rotina de desgaste físico e mental.

As Queimadas

O Pantanal vive a maior temporada de queimadas em décadas. Mesmo com o reforço das Forças Armadas, que têm cedido seus barcos e aviões e dado apoio logístico, o fogo já consumiu 1,5 milhão de hectares. Desse total, 910 mil estão em Mato Grosso do Sul e o restante, em Mato Grosso.

A chuva que caiu na região de Corumbá nos últimos dias ajudou a aliviar um pouco a situação, diz o supervisor de brigadas do Prevfogo Bruno Águeda, mas não foi suficiente para encharcar o solo. A onda histórica de frio que deve tomar conta do país nos próximos dias também não anima a equipe, já que o frio na região geralmente é seco. No ano passado, ele conta, a última operação ocorreu em meados de novembro.

Horário de 'pico' do fogo

O trabalho começa em geral às 8h e não tem hora para acabar." Quando a gente vê que dá pra vencer o fogo, a gente continua", diz Rojas. "Já cheguei a virar noite."

O combate noturno acaba sendo mais frequente do que os brigadistas gostariam. Isso porque o fogo tem "horário de pico". Se o intervalo entre 10h e 14h é o período mais crítico, depois que o sol se põe, quando a temperatura geralmente cai e a umidade aumenta um pouco, isso torno o trablaho um pouco mais fácil, porém é o período do dia mais perigoso para trabalhar. 

Como muitas regiões são de mata fechada — o que, aliás, torna o acesso às áreas de incêndio muitas vezes um desafio tão duro quanto o fogo em si —, o risco de ser picado por um animal peçonhento aumenta quando está tudo escuro.

Animais, em geral os mais lentos, são facilmente feridos pelas chamas, mas há situações em que o fogo brota de repente e qualquer um pode se ver cercado.

Mesmo com o apoio logístico das forças armadas, está difícil vencer o fogo no Pantanal. Foto: Divulgação

O fogo que 'aparece do nada'

O combate ao fogo na região do Pantanal tem uma série de particularidades, entre elas uma espécie de "fogo subterrâneo" que queima despercebido até que emerge para a superfície. É o chamado "fogo de turfa", explica Águeda. As secas e cheias que marcam as estações na região amadas de matéria orgânica no solo. É como se fosse um sanduíche, diz ele: uma camada de terra, outra de vegetação, outra de terra, e por aí vai.

Às vezes, o fogo consegue atingir uma dessas camadas mais profundas, ricas em matéria orgânica e altamente inflamáveis, e vai se espalhando por baixo da camada mais superficial da terra até encontrar alguma fissura e uma vegetação mais seca para emergir. Ele aparece do nada", diz ele.

Outro inimigo dos brigadistas é o vento, que às vezes muda subitamente de direção e leva o fogo junto. E às vezes isso acontece depois de um longo dia de trabalho, quando eles levaram horas fazendo os chamados aceiros: a retirada de uma faixa da vegetação para tentar brecar o avanço do fogo. "Às vezes o brigadista passa o dia inteiro batendo enxada e o vento leva o fogo para outro lado", diz o supervisor de brigadas.

'Sensação de impotência'

"A gente pode ter feito tudo, mas às vezes o vento muda e joga uma fagulha a 100 metros", diz o tenente-coronel Rodrigo Bueno, do Corpo de Bombeiros do Mato Grosso do Sul. "A coisa que mais choca é a sensação de impotência", diz ele, que há 10 anos está na corporação.

Os bombeiros militares são os outros protagonistas da força-tarefa que tenta controlar os incêndios florestais no Pantanal. De acordo com o último relatório sobre a operação, 81 bombeiros do Mato Grosso do Sul e 42 do Mato Grosso lutavam contra as chamas.

Dada a dimensão dos incêndios neste ano, foram montadas três bases para o combate: na região de Poconé/Sesc Pantanal (MT), em Corumbá (MS) e na terra indígena dos Kadwéus (MS).

O trabalho pode ser feito pelas equipes locais a partir das bases, com saídas diárias ou por meio de missões, quando as áreas são mais afastadas ou o pessoal vem de outra região. 

Em geral, a equipe se reúne às 6h da manhã para delinear a estratégia do dia e costuma voltar em torno de 19h. Mas não são raros aqueles que já passaram mais de 24 horas trabalhando sem interrupção.