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19 agosto 2019 - 10h43

O Congresso Nacional aprovou projeto de lei que cria nova lei de abuso de autoridade, modifica o Código Penal e cria várias condutas criminosas que têm em tese com sujeitos passivos, policiais, juizes, promotores, dentre outras pessoas e autoridade dos três poderes, e ainda altera a Lei sobre prisão temporária, Estatuto da Criança e Adolescente, dentre outros.

A lei revoga a Lei 4898/65 de abuso de autoridade aprovada em pleno regime militar e traz previsão de várias condutas criminosas, e possiblidade de perda do cargo e até prisão em situação nunca visto no Brasil, com um tipo de previsão legal que constrange os órgãos de persecução penal no combate efetivo ao crime.

Condutas que eram mera infração administrativa se tornarão crimes com a nova lei, a exemplo de algemar criminosos, deixar de entregar cópia de investigação a advogados, impedir o advogado de entrevistar o preso, inquirir preso à noite, apresentar preso a imprensa, instaurar investigação sem indício de crime. Tem também crimes especificamente contra juiz com relação a decretação de prisão preventiva, não concessão de habeas corpus, demora na decisão judicial em fase de recurso, dentre outras condutas.

Pela leitura do projeto de lei encaminhado ao presidente da república, percebe-se um nítido e estranho interesse de previsão numa lei, embaraços a investigação criminal, onde nota-se um claro constrangimento as forças policiais, do judiciário e ministério público no trato com o crime, a criminalidade e os criminosos. O projeto desfigura a ideia de que a lei deve ter caráter geral, e expressão o interesse da comunidade como um todo, para se apresentar com um nefasto conluio de interesses próprios e obscuros, como já viu, infelizmente, leis e medidas provisórias serem aprovadas pelo Congresso com objetivos ilícitos.

Os tipos penais previstos são quase todos de interpretação duvidosa, chamados de “tipos abertos”, sem uma clara definição do verbo da conduta a ser realizada pelo agente, e inclusive, com termos como “injustificado”, “sem justa causa”, “fora das hipóteses legais”, “sem qualquer indício de crime”, “erro relevante”, “ em desconformidade”, “manifestamente descabida’, dentre outros que trazem confusão e insegurança.

Estes conceitos dos tipos penais abertos deveriam ser exceção no ordenamento penal, face a segurança jurídica, e a liberdade democrática construída no longo processo civilizatório. Termos abertos no campo penal são perigosos e já foram usados da forma mais brutal, como o termo “sentimentos do povo” na Alemanha Nazista com os efeitos nefastos já conhecidos pelo mundo civilizado.

No caso do projeto de lei do Congresso Nacional sobre abuso de autoridade, poderíamos falar num populismo penal às avessas, onde visa propositalmente impedir o efetivo combate ao crime e constranger as forças policiais numa mordaça jurídica de efeitos perigosos à sociedade, pois esta mesma sociedade diante da ausência e ineficiência estatal partiriam para a vingança privada, da lei do mais forte.

Importante também é a análise dos meambros subjacentes a lei, que entornam os mecanismos penais e processuais, nunca bem esclarecidos para a sociedade.

Pois bem!. No caso das condutas prevista na nova lei se caso aprovada, a grande maioria atinge mais diretamente as Polícias que lidam mais de perto com prisões de meliantes nas mais variadas hipóteses. Caso o meliante queira tumultuar a persecução penal, basta fazer um registro de ocorrência contra os policiais ou uma representação criminal questionando a abordagem, o uso de algemas, o início da investigação, o não fornecimento de cópia ao advogado, a divulgação da imagem do preso, etc, e logo o investigador se torna investigado em verdadeiro escala de inversão de valores sem precedentes, ficando assim submetido a interpretação diante dos fatos e receio de ser processado sem motivos, preso e perda do cargo concursado. 

No caso do juiz ou promotor alvos de representação criminal, têm eles prerrogativa de foro e só podem sofrer investigação pelos próprios órgãos superiores. Assim, fica patente que quem sofrerá mais e diretamente com a nova lei se aprovada sãos os policiais e toda a sociedade. 

Dessa forma, entendo por bem o senhor presidente da república Jair Bolsonaro vetar integralmente o projeto de lei, e ainda articular com sua base governista para que o veto não seja derrubado, aliado ainda ao fato há questionamentos quanto a tramitação do projeto e votação com graves nulidades no processo legislativo.

O princípio da legalidade construído com a civilização, com a ideia de justiça e igualdade processual, e forma de equalizar os desejos, ambições e condutas humanas para o bom convívio social, não pode ser destruído com uma lei que apresenta uma fraude ao princípio, já que contrapõem a ideia do correto, do justo, da segurança jurídica, do bem comum, numa clara versão de antinomia social e etiológica bem distante do interesse social que deve ser base para toda e qualquer construção jurídica.

 

Valmir Moura Fé
Delegado de Polícia
e-mail: [email protected]

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