No Brasil, quando o Estado precisa mostrar eficiência, quase nunca mira para cima. Prefere mirar para o lado mais fraco. Enquanto criminosos perigosos circulam com armas e influências, o braço do poder público costuma se estender sobre cidadãos comuns, transformando pequenas ações em espetáculos e abusos em manchetes.
Todos conhecemos quem mata, quem estupram, quem trafica armas, drogas e pessoas através da fronteira, dia após dia, sem qualquer risco. A fronteira Brasil–Bolívia é o corredor perfeito para o crime pesado, mas raramente para a justiça. Curiosamente, a repressão nunca chega a quem fatura com o medo. Chega ao cidadão que está na ponta.
E isso não é novo. Desde a ditadura, o Estado escolhe a quem punir e a quem proteger. Centenas de mães, naquele período, nunca tiveram o direito de enterrar seus próprios filhos. A violência institucional sempre encontrou justificativa para punir, menos para responder. O capítulo mais vergonhoso da história do país não está apenas no passado: ele continua reescrito diariamente.
Há um tipo de polícia que atira a queima-roupa em quem não oferece risco, mas reduz o olhar quando o poder exige subserviência. Exige respeito, mas não pratica deveres. Trata o cidadão como inimigo e o inimigo como “problema complexo”. O resultado é previsível: crianças crescem aprendendo a temer o Estado, não a acreditar nele. Algumas estudam, rompem o ciclo. Outras caem em delitos que têm menos a ver com maldade e mais com fome.
Enquanto isso, casos graves desaparecem no silêncio. A pequena Lívia, de nove anos, desapareceu dentro da própria casa e nunca teve resposta. Quantos casos semelhantes enchem gavetas, arquivos, inquéritos sem rosto? E, de repente, quando o Ministério Público, a polícia ou qualquer autoridade precisa mostrar serviço, alguém vira o “alvo da vez”. Alguém tem que pagar pela inoperância coletiva.
Não é justiça. É teatro.
A Constituição Federal não é um adereço. É um limite. Não foi criada para proteger o Estado contra o cidadão, mas o cidadão contra o Estado. Quando sua aplicação depende do humor, da ocasião ou da necessidade de demonstrar eficiência, ela deixa de ser lei e passa a ser instrumento de desigualdade.
O Brasil não precisa de armas na porta errada. Precisa de justiça na porta certa.
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