Enquanto palácios de vidro e mármore são inaugurados pelo Poder Judiciário, e discursos exaltam um suposto avanço no acesso à Justiça, a advocacia privada no interior do Estado agoniza. E o que mais revolta é o silêncio da instituição que deveria ser a voz e o escudo da classe: a OAB.
Em Corumbá, a elevação da comarca à entrância especial em setembro de 2015 foi festejada como um marco de prestígio. Passados quase dez anos, o que se vê é um fórum suntuoso, mas com corredores vazios, varas esvaziadas, audiências remotas, servidores em número insuficiente, e advogados privados enfrentando um mercado cada vez mais exíguo e desvalorizado.
Enquanto magistrados realizam audiências de suas residências, promotores e defensores entram por portas exclusivas, e programas como a Carreta da Justiça avançam com aparato midiático, os advogados privados, que sustentam seus escritórios com esforço próprio, enfrentam barreiras, concorrência desleal do próprio Estado e o esvaziamento progressivo de seu campo de trabalho.
A Defensoria Pública, cuja missão social é legítima, hoje atende quase toda a população de Corumbá, graças a critérios amplos que permitem patrocinar causas de famílias com renda de até R$ 7.590,00 (5 salários mínimos). Em uma cidade onde a renda per capita não passa de R$ 1.500,00, e onde grande parte da população sobrevive com menos de meio salário mínimo, a consequência é óbvia: quase todos se enquadram para o atendimento gratuito, esvaziando por completo o mercado da advocacia privada. O mais grave: a OAB, que deveria defender seus representados, assiste a tudo em silêncio.
Isso ocorre no mesmo momento em que advogados veem rejeitadas suas solicitações de Justiça gratuita para clientes vulneráveis, mesmo em situações de evidente necessidade.
Em que pese os esforços do presidente da OAB de Corumbá e da atual gestão da subseção, que têm buscado manter o diálogo institucional e apoiar os colegas em diversas frentes, é inegável que a falta de uma postura mais incisiva da OAB estadual e nacional diante do cenário de esvaziamento da advocacia no interior contribui para o agravamento do problema. Sem uma reação forte da entidade em nível estadual, as distorções permanecem e se aprofundam.
Quando uma entidade de classe tolera, em silêncio, a erosão dos direitos e prerrogativas de seus representados, não se iluda: o arbítrio que hoje avança sobre os colegas do interior logo alcançará outros espaços. E quando isso ocorrer, talvez seja tarde para reagir.
A advocacia do interior não pede favores. Pede respeito. E exige que seus representantes na OAB compreendam que com a liberdade e a dignidade da profissão não se pode tergiversar.
Artigo escrito por: Anne Andrade, advogada
Foto: Sylma Lima, Capital do Pantanal
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