A Justiça brasileira vive um silêncio incômodo: nem sempre erra na decisão, mas frequentemente falha no caminho até ela. É nesse espaço entre o que a lei determina e o que a estrutura executa que surgem distorções que quase nunca aparecem nos autos, mas permanecem na vida das pessoas.
Nos últimos anos, o país avançou de forma significativa na criação de instrumentos legais para enfrentar a violência doméstica, os crimes digitais e as novas formas de agressão social. No plano normativo, há progresso. No plano estrutural, o que se vê é um sistema pressionado, operando no limite de sua capacidade.
Delegacias sobrecarregadas, perícias que não acompanham a complexidade tecnológica e um Judiciário sufocado por acervos elevados criam um ambiente em que decisões precisam ser rápidas, mas nem sempre podem ser suficientemente precisas. A urgência virou regra; a cautela, exceção.
É nesse descompasso que emerge a chamada violência institucional indireta: quando medidas legítimas, necessárias e juridicamente amparadas produzem efeitos colaterais sobre pessoas que não são parte do processo. Famílias, profissionais, cidadãos comuns que não são réus nem vítimas formais, mas que acabam atingidos pela forma como o Estado executa suas ordens.
A Constituição e o Código de Processo Penal são claros ao exigir que toda medida invasiva observe necessidade, finalidade e proporcionalidade. O problema não está na norma. Está na padronização excessiva de procedimentos para realidades completamente diferentes. Situações muito distintas acabam recebendo o mesmo tratamento operacional.
Investigar é parte essencial do trabalho do Estado. O desafio está no modo como essa investigação acontece. O país não precisa apenas investigar; precisa investigar do jeito certo.
Quando protocolos defasados são aplicados mecanicamente, sem calibração ao caso concreto, o que deveria proteger passa a gerar medo, exposição pública, desgaste emocional e danos que o processo não registra, mas o cidadão carrega.
Há ainda outro ruído grave nesse sistema: a violação indireta do sigilo. Em tempos de comunicação instantânea, quando informações sensíveis começam a circular fora dos canais institucionais, cria-se uma segunda pena, informal, pública e irreversível. Antes mesmo da apuração, instala-se o julgamento social.
O paradoxo é evidente: a Justiça acerta o destino, mas erra o caminho.
Modernizar o sistema de Justiça não é apenas acelerar procedimentos ou informatizar protocolos. É alinhar forma e conteúdo. É garantir que a execução seja tão justa quanto a decisão. Porque, quando a forma falha, até uma medida correta pode ferir. E essas feridas não aparecem nos autos. Ficam nas pessoas.
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