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O Admirável Mundo Novo da Delação Premiada

21 abril 2017 - 09h10

Se existe uma lei a ser comemorada no campo da segurança pública, no Brasil pós-constituição de 1988, podemos afirmar sem medo de errar, que se trata da Lei 12.850/13. Esta revogou a antiga lei do crime organizado e trouxe mecanismos processuais e penais para efetivação da Justiça Penal. Pode-se, assim, diminuir a impunidade dos chamados crimes de colarinho branco e atacar diretamente no patrimônio da organização criminosa composta de agentes públicos, políticos, sonegadores de impostos, traficantes de drogas e armas, e toda a espécie de crimes financeiros.



Lei do Crime Organizado



De tamanha importância no combate à corrupção, esta Lei 12.850/13 tem mostrado eficiência em destruir comandos marginais organizados que ficaram por décadas, no seio do poder público, assaltando a população, e impunes. Os resultados da boa aplicação da lei são notados na Operação Lava Jato, da Polícia Federal, em que 20 pessoas já aceitaram a chamada Delação Premiada, com bons resultados na aplicação da Justiça Penal, identificação de coautores e recuperação de recursos desviados dos cofres públicos, uma forma de corrupção. Na verdade, o termo correto é colaboração premiada, já que o sentido da lei, que é ajudar a Justiça na descoberta da verdade e punição dos culpados, na medida de sua participação. Contudo, o termo “delação” acabou ganhando o gosto da mídia e até mesmo de parte da doutrina penal.



Interessante é que a lei 12.850/13, também, ampliou os mecanismos de investigação contra as organizações criminosas, inclusive, no combate àqueles crimes que têm ramificações no exterior, e outros que usam dos modernos artifícios tecnológicos e contábeis para esconder a atividade criminosa. Se bem investigado, nada escapa à apuração dos crimes, sejam modernos e das mais variadas formas.



Agentes infiltrados, ação controlada e acesso a banco de dados de e-mails, telefones, bancos de dado, redes sociais e recursos modernos de interceptação telefônica e escutas ambientais são usados com propriedade, pelas agências especializadas, no combate ao crime organizado.



Operação Lama Asfáltica



Em Mato Grosso do Sul, a Polícia Federal desencadeou, em julho, a Operação Lama Asfáltica, com cumprimento de vários mandados de busca e apreensão em residências de investigados, bem como interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, e um grande acervo probatório de quase dois anos de investigação. Em síntese, é investigada uma organização criminosa especializada em fraudar licitações, contratos, obras superfaturadas e mal feitas, de baixa qualidade, dispensando-se licitações, em fraudulentos contratos com gráficas, obras em rodovias com desvio de recursos e toda uma gama de crimes que permeiam o Código Penal, nos mais diversos crimes.



No bojo da fase inicial da persecução penal, já foi identificado grande número de participantes da organização criminosa, a qual, como de costume, é composta por divisão de tarefas, escala de hierarquia, compartilhamento de informação, reserva de informação, códigos de disfarces diversos, “laranjas”, contas no exterior, empresas fantasmas e todo um organograma típico deste tipo de crime organizado, com uso de empresas e pessoas nas entranhas do poder político estatal. O meio político é cooptado, bem como pessoas do serviço público de baixo e alto escalão, e artimanhas de disfarces, com destruição de provas são usadas costumeiramente, pelos criminosos. Mas, não há crime que não deixe rastro, e o principal rastro é também o principal objetivo do bando; o dinheiro.



A Delação Premida



A Lei 12.850/13 trouxe a chamada Delação Premiada (a lei chama colaboração premiada), que é um acordo celebrado entre o Estado, representado pela Polícia ou pelo Ministério Público, e o investigado, que traduz numa confissão dos crimes e indicação de nomes de outros envolvidos, provas e informações completas sobre a atividade criminosa, e tudo que saiba e lhe for indagado. O autor abre mão do direito de permanecer calado e deve responder tudo sobre os crimes investigados, indicando provas, qual sua participação e como era composta a organização criminosa. A Lei traz regras e orienta como deve ser realizada a Delação Premiada. Há de se ressaltar que a referida lei, também, define o conceito de organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, bem como traz várias disposições sobre obtenção de prova e, até mesmo, tipo penais.



Organização Criminosa



Inicialmente, a Lei definiu Organização Criminosa como sendo “a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.



Dentre os vários meios de obtenção de prova previstos na Lei, o mais destacado e eficiente é a chamada “Colaboração Premiada” (art. 3º, I), mas existem outros, como captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, ação controlada, acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais, interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica, afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica, infiltração, por policiais, em atividade de investigação, e cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais, na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.



Requisitos



A Delação Premiada tem efeito tão grande no processo penal, que o colaborador com a Justiça poderá não ter qualquer reprimenda penal e, ainda, receber proteção policial e até mudar de nome. Os requisitos da Delação Premiada são bem previstos no entre os art. 4º e 7º Lei 12.850/13. Exige-se voluntariedade do investigado, sendo que poderá ocorrer a Delação quando da investigação criminal, no processo penal e, até mesmo, após a condenação, já na fase da execução penal. O juiz poderá conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade, ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado. Contudo, é exigida “colaboração efetiva”, ou seja, que o investigado diga tudo que saiba e que revele dados, provas e nomes de comparsas, inclusive com provas, extratos, contas bancárias, endereços, dados substanciais para apuração dos crimes sob investigação.



A lei exige alguns requisitos para que se obtenham os benefícios da delação, como: voluntariedade, eficácia na colaboração e, ainda, circunstâncias objetivas e subjetivas favoráveis. A delação deve conter: 1) a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; 2) a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; 3) a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; 4) a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; 5) a localização de possível vítima, com a sua integridade física preservada. O juiz levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, circunstâncias e a gravidade, a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.



Primeiro a colaborar tem benefícios e pode nem ser processado pelos crimes



Na hipótese de envolvimento na organização criminosa, e já sabendo da investigação, é recomendável que o colaborador procure a Polícia ou o Ministério Público, o mais rápido possível, já que a lei trouxe uma modalidade de colaborador em que nem ao menos será processado criminalmente. Chama-se a este tão grande benefício da Delação de “acordo de imunidade”, e foi previsto no art. 4º, § 4º da referida lei. Diz à lei que “Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: 1- não for o líder da organização criminosa; 2- for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.



O juiz não participará da elaboração do termo de acordo que, depois de elaborado, será levado ao juiz, para homologação. Diz a lei que “Realizado o acordo (...) ou respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz, para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor”. É necessária a participação de um advogado na Delação Premiada, que irá orientar o colaborador e fará as primeiras tratativas com a Polícia ou com o MP.



Corrupção generalizada e favores



Toda organização criminosa usa diversos recursos de disfarces, e uma estrutura organizada que pulveriza suas ações num sistema de corrupção generalizada entre pessoas e grupos. A informação é compartimentada, e há divisão de tarefas, uso de influência política nos crimes envolvendo desvio de dinheiro público, e um universo de vantagens que atingem e envolvem os Poderes instituídos. Políticos, empresários, agentes do poder público, servidores públicos responsáveis por fiscalizações logo são postos em contato com o crime, e, muitas vezes, na forma velada de prêmios, afagos, favores e influência de vaidades.



A divisão de tarefas da organização criminosa envolve pessoas de setores estratégicos no esquema criminoso. Favores e uma rede de interesses são logo postos à prova, e, às vezes, até pessoas “inocentes” se envolvem com promessas e afagos colocados de forma maquiavélica, para pessoas situadas em dados cargos públicos. O crime organizado vai às entranhas do setor público, e nada fica imune a suas imposições. Na hierarquia da organização, há pessoas usadas com distribuição de afazeres ilícitos, que ficam na ponta do esquema, mas que, nem ao menos, sabem a dimensão dos crimes perpetrados pela Quadrilha.



A “regra de ouro” da delação



A tática usada, no que concerne a Delação Premiada, é inicialmente fazer as primeiras delações às pessoas que tiverem pouca participação na organização. Esta é a “regra de ouro” da Delação, ou seja, buscar acordos com as pessoas que tiverem baixa participação, que serviam como “operadores”. Aqui, incluem-se secretárias, telefonistas, seguranças, “laranjas”, baixo escalão de funcionários públicos, motoristas, pessoas que cederam contas bancárias para ter algum lucro, fiscais corrompidas por pequenos valores, dentre outros. Estas pessoas irão fornecer tudo que saibam sobre o que ocorreu na organização criminosa e darão dados essenciais para a busca de outras provas materiais e robustas em busca e apreensões futuras, quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico, dos investigados, bem como nomes de “laranjas”, e os nomes dos líderes, sejam empresários, servidores públicos ou políticos. Neste caso, as penas para o “baixo escalão” da organização criminosa podem nem haver, e ele pode receber o perdão judicial, ou penas pequenas de restritivas de direito. Esta situação teve amplo sucesso na Operação Laja Jato, que investiga os crimes na Petrobrás, inclusive, com revogação de prisão de delatores que auxiliaram a Justiça, com o instituto da Delação Premiada.



Valmir Moura Fé, Delegado de polícia



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